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Des(amor)

Sinto que toda busca humana é em última instância uma busca pelo amor. Esse sentimento abstrato que permeia nossas referências culturais, estéticas e morais. Muito se fala sobre o amor, mas no que consiste esse sentimento? Intuo, desde que me percebi como um ser intuitivo, que o amor é primeiramente o significado da própria vida. Uma vida sem amor é uma vida sem significado. Minha intuição me aponta no sentido de que uma vida sem amor é absolutamente insustentável. A vida fragmentada em si é um processo dinamico intrinsicamente insustentável, tanto que uma hora acaba. Sinto que no final das contas todos nós morremos por desamor. O câncer, o infarto, a senilidade, a depressão, a demência, a esclerose, todas essas mazelas que findam os corpos sensíveis me parecem ser apenas o produto final do desamor que tomou conta do ser e que esgotou o elã vital que antes justificava aquela vida. Esse esforço para perseverar no ser, que Espinosa chamava de conatus, chega ao fim pelo caminho do desamor

Percepção

Às vezes sinto que estou buscando, através da mente, um lugar no meu corpo que já não existe mais. Quando percebo o absurdo dessa busca sou invadido por um misto de sensações. O alívio pela percepção da inutilidade em se buscar o absurdo, a desesperança resignada pela constatação de que esse corpo jamais será como um dia foi, o medo do meu próprio processo de decomposição material e a esperança na confiança de que a subordinação dessa matéria que me compõe às leis da natureza segue princípios muito maiores que os meus próprios afetos. A sabedoria me direciona rumo ao movimento de me despir de mim mesmo. Jogar os excessos de peso para fora do barco para poder navegar como um barco vazio pelo mar da vida. Aceitar completamente as leis da natureza que me compõe, reconhecer minhas limitações e tentar acessar o caminho do coração para além do corpo e da mente. Mas a compreensão intelectual dessa dinâmica parece não ter muita força diante desse processo de dissolução do ego. Esse conceito i

Presença

Na busca da transcendência E do estado de presença É que se percebe a essência E se dissolve toda a ausência Gerada pela desconexão Entre a mente e o coração Que na força de um tufão Embaralha a nossa visão Só para depois nos lançar Numa canoa em alto mar Na viagem de volta ao lar E em meio a esse naufragar Passemos a nos conhecer Para na caminhada perceber A consciência eterna do ser Que acende a luz do viver E nos protege de toda a dor Através do brilho do amor Iluminando o nosso interior Fazendo desabrochar uma flor Cujo perfume se espalha no ar Para que no ato de respirar Consigamos nos acalmar Quando a maré decidir virar E nessa constante mutação Um dia se consolide a lição De que a próxima confusão Encontrará a sua resolução Pelo caminho do coração

Procura

Não sei exatamente o que procuro. Mas sinto que minha vida toda consiste na busca por um sentimento. Não entendo as características ou mesmo as propriedades desse sentimento que procuro. Mas acho que isso não importa muito. Não é questão de entender racionalmente, analiticamente, conceitualmente. Ou mesmo de dar uma forma ao sentimento que busco na esperança de que essa compreensão me aproxime dele. Toda forma limita, contém, restringe. O que busco não tem borda. Não pertence ao tempo, mas precisa da materialidade para se manifestar.  Não sei o que procuro, mas sei o que não me interessa. Me entedio facilmente. Ainda bem! Se não fosse o tédio não haveria a busca. E sem busca não haveria movimento. No campo da vida não existe nome mais adequado a essa ausência de movimento do que "morte". O tédio é em certo sentido o combustível da vida. Ele precede o movimento. Produzir um desconforto para induzir um movimento. Essa linha de programação parece estar presente no código fo

Desconexão

Há dias nos quais sinto um estranhamento de mim mesmo. Uma sensação de distanciamento de minhas próprias sensações. Como se não pertencesse a esse mesmo corpo que experiencia a sensação de não pertencimento e que busca palavras para aplacar esse incômodo situado em algum lugar entre a alma e o sonho. Nesses dias calmos e mortos sinto como se minha vida fosse estranha a mim. E nesse estranhamento sou tomado por uma censura ao próprio ato de buscar a salvação no sonho. Essa desconexão me faz olhar para a possibilidade da felicidade com medo. Schoppenhauer dizia que a vontade é a força motora de um pêndulo de afetos que oscila entre a frustração e o tédio. A frustação por não conseguir se obter o que a vontade deseja e o tédio pela obtenção de algo que um dia desejamos (e que por termos obtido já não queremos mais). Nesses dias estranhos me sinto como se estivesse num estado quântico do pêndulo de Schoppenhauer. Explico: só em estados quânticos duas realidades opostas podem coexistir. E

Oração para a vida

Vida, obrigado por me proporcionar um corpo como um meio para o aprendizado do meu espírito. Obrigado pela oportunidade de interagir com as minhas emoções para que eu possa me conhecer através delas. Agradeço cada flor e cada espinho colocados em meu caminho. Que seu brilho ilumine meu espírito e sua luz acenda cada dia mais a minha consciência! Que sua presença não me faça esquecer que meu tesouro é meu coração! Peço que sua luz me traga a sabedoria de me conectar com a minha essência. Que meu caminho seja a leveza do retorno ao lar. Que o amor seja a minha estrela guia. Que meu caminhar seja uma dança. Que o monstro do apego não atormente o meu espírito. Que na conexão comigo mesmo eu consiga transformar sentimentos ruins em pensamentos bons. Que o sofrimento seja sempre um professor, nunca um malfeitor. Que eu encontre a ação correta no silêncio da meditação. Que eu consiga praticar o desapego nas pequenas coisas. Que o brilho da minha razão não ofusque a luz do meu coração. Que mi

Cor(agem)

Qual a forma da coragem? No que consiste esse sentimento? Isso chega a ser um sentimento? Ou seria uma postura valorada com base numa referência externa? Essa pergunta faz qualquer sentido? A coragem tem uma forma? Talvez a resposta esteja escondida na própria palavra. O prefixo "cor" é o mesmo de "coração". Agem é a conjugação do verbo "agir" na terceira pessoa do plural, curiosamente destinada àqueles que estão fora de nós: ELES agem. Os arquétipos que usamos para facilitar a compreensão desses afetos são sempre exagerados. As sutilezas da vida costumam passar despercebidas pelo crivo da nossa racionalidade grosseira. O mito do herói, comum a todas as culturas humanas, envolve superações improváveis, batalhas invencíveis e ainda assim vencidas pelo grande herói, detentor de toda coragem que gostaríamos de ter perante a vida. A coragem, que pela palavra nada mais é do que a ação que  vem do coração, costuma estar tão distante dos nossos afetos que pr

Vagando

8h da manhã, acordo assustado, o coração disparado, a mente agitada. Sinto frio, muito frio. Um frio  que não se intimida com um chazinho ou um banho quente. Um frio na alma, atrelado ao escuro do vazio gélido que espreita todo ser vivo consciente de sua finitude e inconsciente da causa primária que o gerou. Tento fazer umas respirações profundas a fim de conectar a mente ao corpo. A mente, essa espécie de doença autoimune do espírito. Olho para o teto do quarto que contém meu corpo inerte na cama. Pego o celular, meu portal de conexão com o mundo imaginado. Esse mundo que com o passar dos anos foi tomando o lugar do mundo que eu julgava ser real. Hoje já não sei quais são os elementos que separam o imaginário do real. Chego a desconfiar que esse tal real não passa de mais uma das criações do monstro "mente". Dessas que servem para nos dar qualquer tipo de referência artificial para que delineemos um caminho qualquer, só para ter um caminho a seguir. O real como um bote salv

Invisível

"Não roube a minha solidão sem antes me oferecer a verdadeira companhia". Foi Nietzsche quem pronunciou essas palavras... Logo você, Nietzsche? Que precisou de enorme dose de coragem para desbravar sozinho os longínquos territórios do pensamento para além de todo bem e todo mal! Que mostrou genealogicamente as origens absurdas e as arbitrariedades de todos os nossos frágeis sentimentos morais. Que doou sua própria vida em prol da hercúlea missão de desatar os grilhões dessas grossas correntes que nos prendem a esse jogo de palavras absurdo, ceifador de toda vida que deseja se manifestar no esplendor de sua vontade de potência. Essa sua frase me soa como um enigma a ser decifrado. O que significa essa "verdadeira companhia" da qual você fala? Ela realmente existe? Ou será que não passa de mais uma projeção fantasiosa que criamos para não termos que encarar a dura verdade de que cada homem só pode salvar a si mesmo? Aonde está essa "verdadeira companhia"? A

Esforço

Não há nada a ser preservado. É tudo fluxo, assim nos ensina a vida. Existir é não ser e como diria Pessoa: "pensar é não saber existir". O esforço em preservar o que nunca foi é sintoma desse não saber existir. Todos nós existimos. Mas só sabemos de fato existir nos momentos em que não fazemos esforço para preservar aquilo que não se preserva. Talvez isso seja saber existir: não fazer esforço para preservar aquilo que não se preserva. Uma gota de chuva é uma gota de chuva entre o momento que se desprende da nuvem e o momento que toca o chão. Depois já não é mais gota de chuva. Se transforma em outra coisa: poça de lama, água no asfalto, parte de um rio, oceano. A subordinação inequívoca às leis da natureza confere à gota de chuva seu próprio e inquestionável caráter existencial. Para uma gota de chuva não existe o paradoxo do não saber existir. Nós, humanos, costumamos ser diferentes. Existimos e só conhecemos a condição do existir. Primeiro existimos, depois somos. O exist

Significado

No que consiste o significado das coisas? Seria o significado de algo um arranjo para uma junção estruturada de palavras que desperta em nós, seres de linguagem, o sentimento de clareza e familiaridade com os conceitos subjacentes à coisa em si? A ponte que usamos através da linguagem entre o nosso mundo, perecível, em decomposição constante, com o mundo seguro das ideias eternas de Platão? Às vezes sinto que toda busca humana não passa de uma grande busca por significados. No início nos contentamos com o significado das pequenas coisas: a compreensão da dinâmica das estações, o movimento das gotas de chuva impulsionado pela enigmática atração gravitacional inerente à matéria, a compreensão das pequenas regras dos homens, o entendimento da nossa história, o funcionamento político-social do Sapiens. Mas depois de navegar em meio às palavras que definem esses significados superficiais, sentimos a necessidade de um significado mais profundo. Queremos desbravar o significado além da defin

Abstinência

Já nem sei quanto tempo faz. No começo ainda contava os dias. Talvez como uma forma de contar pontos. Mas pontos para que? Qual a finalidade disso tudo? Um tempo atrás o tempo estava claro. Ao menos os motivos do tempo me pareciam de uma resolução cristalina. Hoje já não sei mais o porquê dessa pausa. Sim, uma pausa, porque nada no plano da vida é eterno. Às vezes uso isso para me consolar. A ideia de ficar para sempre sem você é dura demais para mim. É tudo transitório. Pelo menos é o que a sabedoria fala. Mas isso não alivia o sentir. Hoje me pergunto qual a finalidade dessa sabedoria. Quando eu me sentia sábio não perguntava. Mas agora, tomado por uma confusão sufocante, sou invadido por uma quantidade de perguntas muito maior do que minha capacidade de respostas. São tantas vozes que dificilmente me escuto. Na maior parte do tempo é só um ruído constante. Acordo, tomo café, acendo um incenso, tento agradar os sentidos. Talvez seja só isso o que podemos fazer. Me estico, alongo, fa

Repúdio à esperança (ou uma ode à Vida)

O que é esperança? Seria a retórica interna que visa justificar o descontentamento com o momento presente com base na fuga para o campo das projeções de um futuro idealizado? Uma não aceitação da vida tal como ela é e que clama pela necessidade do sonho? O desejo da mente de estar num tempo diferente do tempo do corpo? O prêmio de consolação para aqueles que pelas amarguras do caminho não tiveram condições de gostar da vida por inteiro, mas apenas dos pedaços agradáveis da vida? Não sei bem o que é a esperança e nem julgo aqueles que veem na esperança a salvação do momento presente. Só sei que esse conceito me cansa e por isso repudio toda forma de esperança. E nesse meu  repúdio opto por acolher com carinho a melancolia contemplativa de um corpo já cansado pelas ilusões provocadas em nome dessa tal "esperança". Me lembro dos meus primeiros contatos com esse sentimento. Já na infância regava pacientemente a semente da esperança. Esperava um dia ser um grande homem, conhecer

O conhecimento daquele que sofre (trecho extraído do livro "Aurora" do Nietzsche)

A condição das pessoas doentes, durante muito tempo e horrivelmente torturadas pelo sofrimento, mas cuja inteligência, apesar disso, não se perturba, não deixa de ter valor para o conhecimento, sem falar até dos benefícios intelectuais que trazem consigo toda solidão profunda, toda libertação súbita e lícita dos deveres e dos hábitos. Aquele que sofre profundamente, encerrado de alguma forma em seu sofrimento, lança um olhar gélido para fora, sobre as coisas: todos esses pequenos encantamentos enganadores em que habitualmente se movem as coisas, quando são olhadas por alguém saudável, desaparecem para ele: ele próprio permanece envolto em si, sem encanto e sem cor. Supondo que viveu até aqui em qualquer perigoso devaneio, o supremo chamamento à realidade da dor constitui o meio de arrancá-lo desse devaneio: e talvez seja o único meio. A formidável tensão do intelecto que procura se opor à dor ilumina com isso tudo o que diz respeito a uma nova luz: e a indizível atração que sempre

A leveza da melancolia

Tem dias nos quais a desesperança me serve melhor do que as projeções fantasiosas de um futuro perfeito. Às vezes prefiro aquela melancolia já cansada do que aquela empolgação com a vida que no fundo vem sempre acompanhada de perto pelo temor da morte. Talvez a sabedoria de vida resida em saber escolher com inteligência os nossos venenos. Acho que cada alma tem uma predileção por algum tipo de veneno. Não podemos generalizar. Para alguns o veneno é o amor, para outros o trabalho, alguns se matam com pequenas doses de missas e cultos, já outros preferem beber e fumar. Para os artistas o veneno é a própria vida e o antídoto a arte. Há aqueles que se embriagam do cotidiano, das manchetes de jornais, das discussões no Facebook, da conversa pequena com o guardador de carro, da importância dada à própria imagem, da inveja da conta bancária do vizinho, do sonho da vida não vivida, de alimentar fantasias que aplacam a dor de ter que encarar os próprios medos. No meu caso sinto que a esperança

Berkeley

Prólogo  John Berkeley era um homem incomum. Desde pequeno carregava consigo a sensação de ser muito diferente da maioria das pessoas que o cercava. Com exceção de seus pais, que sempre incentivaram suas peculiares características, sentia que não pertencia a esse mundo. Aos 8 anos de idade, enquanto seus colegas estudavam frações e liam histórias infantis, ele estava mais interessado em cálculo diferencial, demonstrações de convergências de séries complexas, física Newtoniana e geometria não Euclidiana. Aos 10, muito antes da atual febre dos drones, Berkeley já havia construído seu próprio veículo aéreo não tripulado com peças de garagem, controlado por um aparelho de rádio-frequência que havia encontrado no porão da casa de seus pais. Enquanto seus colegas de escola soltavam pipa, John brincava com seu drone no quintal da casa de subúrbio, onde morava com seus pais. John Berkeley era filho de professores universitários aposentados. O pai havia ministrado aulas de filosofia na U

Fragmentos

Sua vida é um pequeno pedaço de nada Ainda assim, você vive no mundo do tudo... ...Um dia seu corpo morrerá... ...Ou talvez você já esteja morto... ...E sonha estar vivendo uma vida no tudo Enquanto dorme no mundo sem tempo do nada...

O crescimento econômico perpétuo... Isso é possível?

Desconfio muito desses jargões soltos de economistas que bostejam discursos prontos na Globonews e se escondem por trás de palavras como "taxas de juros", "metas de inflação", "expansão de crédito", "confiança dos investidores", etc.. Para mim qualquer estudo sério de economia deveria começar por uma visão antropológica do comportamento humano, em seguida migrar para a psicologia para só então falar em economia. Não consigo ver como o consumismo desenfreado estimulado por essa necessidade compulsiva de crescimento pode ser bom para a psicologia do Sapiens. Acho sempre saudável olhar para a nossa espécie pelo que ela é: um monte de macacos que usam roupas, se domesticaram na tentativa de suprimirem desconfortos naturais e que sofrem por isso. A sociedade humana moderna me parece uma cobra que devora o próprio rabo. Acredito também que Raul estava certíssimo quando dizia: "Tá rebocado meu compadre, como os donos do mundo piraram. Eles j