Repúdio à esperança (ou uma ode à Vida)

O que é esperança? Seria a retórica interna que visa justificar o descontentamento com o momento presente com base na fuga para o campo das projeções de um futuro idealizado? Uma não aceitação da vida tal como ela é e que clama pela necessidade do sonho? O desejo da mente de estar num tempo diferente do tempo do corpo? O prêmio de consolação para aqueles que pelas amarguras do caminho não tiveram condições de gostar da vida por inteiro, mas apenas dos pedaços agradáveis da vida? Não sei bem o que é a esperança e nem julgo aqueles que veem na esperança a salvação do momento presente. Só sei que esse conceito me cansa e por isso repudio toda forma de esperança. E nesse meu  repúdio opto por acolher com carinho a melancolia contemplativa de um corpo já cansado pelas ilusões provocadas em nome dessa tal "esperança". Me lembro dos meus primeiros contatos com esse sentimento. Já na infância regava pacientemente a semente da esperança. Esperava um dia ser um grande homem, conhecer o mundo inteiro, ir à lua e voltar para contar o que veria lá. Esperava encontrar o grande amor e viver feliz numa bolha de leveza, flutuando por aí com a mulher amada. Mas depois que a semente germinou e os frutos da esperança floresceram, estes me corromperam por completo. E  depois que a pós modernidade matou o amor, me perguntei aflito "o que restou"? A vida não liga para a esperança. A vida é como ela é e talvez nisso resida a sua beleza. Ela não cabe na nossa idealização egoica. Já dizia o poeta: "Sei lá, sei lá, a vida é uma grande ilusão. Sei lá, sei lá, só sei que ela está com a razão." Durante meus anos de inconsciência tentei me esquivar dos sofrimentos que a vida decidiu colocar no meu caminho, pois o sentir era demasiado pesado para mim. Mas isso não deu um jeito no eterno problema do "sentir". E nesse excesso do sentir me afoguei dentro de mim mesmo. E meu bote salva-vidas veio no anestesiamento dos sentidos. Até que chegou um dia em que achei que não seria capaz de sentir mais nada. E esse não-sentir se mostrou mais doloroso que o excesso do sentir. Passei então a vagar pelo mundo buscando e colhendo sentimentos, sem saber direito o que queria, tateando meu mundo no escuro em busca dos encontros que proporcionassem aqueles tais "bons-sentimentos". Essa esperança da infância me levou à ilusão de que eu iria melhorar o mundo e consertar os problemas do existir. Mas a desesperança me ensinou que cada homem salva apenas a si mesmo e que a dor é no fundo a natureza impulsionando a manifestação da criatividade por necessidade de manutenção da matéria. E nessa criação solitária que é a minha vida aprendi a subverter os hábitos, a trocar a esperança pela desesperança, o preenchimento pelo vazio, o medo pela coragem, a projeção pela realidade, o apego pelo desapego. E nisso construí a minha própria espiritualidade, essa minha conexão comigo mesmo, forjada a ferro e fogo. Hoje sei que a conexão com a nossa essência é uma jornada solitária para dentro de si. E que os maiores aprendizados desse caminho são proporcionados pelo sofrimento. Veja bem, não quero que pense que esse texto é um texto pessimista. O pessimismo é também uma forma de esperança. O pessimista também vive num tempo diferente do presente, ele espera por um futuro pior, mas ainda assim ele espera. Eu tento não esperar mais nada. Será que a desesperança não seria uma outra palavra para o contentamento? A ausência do esperar que leva à aceitação da vida tal qual ela é? A humildade máxima daquele que percebe sua insignificância cósmica e se permite ser o observador da própria jornada? Não sei se é ou se não é. No final são só palavras e definições, ou formas de dissecar os sentimentos através dessa junção de letras, sílabas, fonemas e significados imprecisos, tal como a vida. Só sei que essa junção de palavras que define a esperança como o veneno e a desesperança como o antídoto aplaca os meus desconfortos e aquieta o meu espírito. E no meio dessa imprecisão toda do existir, como a vida é ainda o único caminho que conheço, me permito usar meus sentimentos como minha mais confiável bússola. E sigo a minha estrada por entre essas definições imprecisas. Tentando não esperar mais nada da vida e contemplar de forma desapegada os sentires que ela escolher colocar para mim. Tudo passa, inclusive a vida.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A linguagem e a impossibilidade da verdade

Precisamos falar sobre o Dark Side

Novo Aeon