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Mostrando postagens de 2017

Instinto, razão e sentimentos

       Grande parte dos problemas emocionais do homem decorrem do eterno conflito "instinto x razão". Sabemos racionalmente que somos animais e que possuímos um lado selvagem, mas distraídos pelo cotidiano e inebriados pelo poder da razão acabamos nos comportando como se não  o fôssemos. Esse não reconhecimento de nosso lado selvagem, essa eterna luta contra a nossa própria natureza, segundo Nietzsche é responsável por uma "degeneração dos instintos". Nesse sentido, o homem é uma aberração da natureza. Não existe nada na natureza parecido com a gente. Aquele fator chave que nos diferencia de todos os outros animais é justamente a nossa racionalidade. Através dela  podemos identificar padrões nos eventos observados no espaço e no tempo. Essa identificação de padrões somada a um processamento inteligente nos possibilita modificar de forma intencional o nosso ambiente para que possamos atender melhor as nossas vontades naturais e suprimir de forma mais eficiente grand

Sobre a paixão

       A paixão tem sua gênese nos estímulos sensoriais resultantes de um primeiro encontro entre dois corpos. A sensação da reciprocidade de afetos entre corpos que possuem apreciação estética mútua provoca uma sensação psíquica de plenitude e bem estar. É o alívio para a alma provocado pela satisfação daquela pulsão instintiva do corpo. Esse primeiro encontro físico provoca uma cura momentânea para a alma, sempre cansada de ter que gastar a maior parte de suas energias nas resoluções que visam atender as infindáveis demandas do corpo. Nosso cérebro então teme pela não repetição dessa experiência. Mais do que isso, por encontrar-se em tal estado de entorpecimento, pensa apenas em estratégias para a repetição da experiência.         Mas somos mais sutis do que isso. Não somos apenas instinto e desejo reprimido. E então entramos na segunda fase da paixão: a paixão por uma ideia, por uma representação do potencial aliviador da dor vista naquela pessoa. Se o outro provocou tanto alív

Sobre o ineditismo da vida

       Viver é estar em relação com o mundo. Essa afirmação é auto-evidente, pois a vida, como a conhecemos, é definida com base na experiência de seres viventes em constante relação com o mundo. Logo, podemos afirmar que viver consiste em se relacionar com o mundo. Esse "relacionar" não se limita às interações entre seres viventes, mas abrange todo conjunto de experiências sensoriais-cognitivas do ser que vive com esse "mundo". Tente fazer o experimento mental de retirar o mundo de sua frente. O que sobra? Um ser vivente flutuando em um escuro vácuo de ausência de interações com o mundo. Como esse ser saberia se está vivo ou morto se tudo que existe agora é uma imensidão de nada, de não-mundo? Ele poderia muito bem ser levado a concluir, usando a razão, que está simplesmente morto.        Já que não podemos retirar o mundo de nossa frente, somos obrigados a viver nele. Mas como somos seres humanos, péssimos em instinto e excepcionais em racionalidade (alguns nem

A leveza e o peso

Em mim existe leveza Mas também há peso Um peso que não tira férias Que ofusca o brilho da leveza Inebria a beleza do acaso Transforma tudo em plano E como tudo que é plano, pesa E como tudo que pesa cai E no cair distancia, desencontra Não se acha mais em sua causa E vira uma imagem borrada Num plano da não-consciência E na perda da nitidez vira medo E como tudo que é medo, pesa E com o peso do medo, cega E na cegueira, se perde Vira um monstro imaginado Que bagunça os afetos E agita os mares internos Deixando a leveza sozinha Tentando se mostrar à deriva Mas em mim também há leveza Que aflora quando o peso dorme E o barco quebrado da leveza Atraca na costa do mar de afetos E eleva o sentir ao inominado Estimulado pela transcendência Que me chega na forma de sons No arrepio causado Por um acorde diminuto Ou pela pausa no momento certo Que lembra a harmonia de que ela Também precisa descansar E que para ser leve Deve haver repouso E quando finda

Grão de pólen

Queria ser um grão de pólen E me mover ao sabor do vento Sem deliberações ou escolhas Queria ser mais acaso E marear como a maré mareia  Sem consciência, sem dor, sem medo Queria fluir como flui um rio Ser encontro não planejado E não desencontro programado Queria não precisar da linguagem Não ter que buscar nas palavras Essa transcendência desesperada Queria prescindir da poesia E não ter que fazer esforço Para fugir da prisão dos sentidos Ser mais instinto e menos razão  Estar presente no agora Existir sem precisar ser  Rafael Gabler, 18/10/2017

A origem dos sentimentos de medo, insegurança e angústia

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      Nossos sentidos são a nossa conexão com o mundo. Existe o mundo exterior, nossos sentidos e nosso mundo interior. Se eu pudesse expressar esse conceito através de uma equação seria: Nosso mundo = mundo físico + sentidos + processamento de dados feito no cérebro.         Ou seja, nosso mundo é apenas o processamento dos dados feito pelo cérebro do que recebemos do mundo físico pelos nossos sentidos. Com isso em mente, qual a origem dos nossos afetos de medo, insegurança e angústia? Aqui defino angústia como o mal estar psíquico produzido diante dos afetos desconhecidos, ou seja, o produto emocional da soma de medos e inseguranças alimentados pelo desconhecimento do mar de afetos em maremoto que se passa no plano inconsciente. Parto aqui da premissa de que medo e insegurança são afetos gerados pela ignorância, que levam ao que chamarei de "angústia".       Vejo essa dinâmica de afetos da seguinte forma. Nosso mundo é uma imagem borrada da dinâmica do

A linguagem e a impossibilidade da verdade

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      Esses dias em um momento de tédio induzido por um compromisso chato da vida adulta, do qual não consegui fugir (juro que tentei), me vi com um papel e artifícios de escrever em minha frente. Meu cérebro então começou a produzir pensamentos e mandou minha mão direita escrever palavras-chaves para um futuro texto no blog. Segue abaixo o que acabei escrevendo...       Porque diabos escrevi isso naquele momento? Poderia responder essa pergunta com duas frases de Nietzsche: "Algo pensa em mim." ou "A consciência é uma garrafa vazia em um oceano de afetos em maremoto." Entendo dessas frases que na concepção de Nietzsche não existe espaço para  uma possível separação entre as ações do corpo e da alma (não a alma transcendente das religiões, mas a alma como um veículo de produção de pensamentos separada da materialidade do corpo). E essa ideia  monista (que  pode ser encontrada em Spinoza e Nietzsche por exemplo) me parece ser um excelente ponto de partida para

A revolução do indivíduo

       Estou eu, tocando guitarra em casa, num domingo chuvoso, quando decido cantar "Eu sou egoísta" do Raul, música do disco "Novo Aeon" (sobre o qual já fiz uma resenha nesse blog: link aqui).         Bom, a música termina com as seguintes frases repetidas numa espécie de mantra: "Eu sou egoísta! Porque não?" E eu na minha desafinada cantoria comecei a entonar esse verso enquanto pensava em seu real sentido. Motivado por essa temática decidi escrever aqui para organizar e desanuviar as ideias que passavam em minha mente. Esse blog é um blog egoísta, serve muito mais a um propósito meu de escrever e documentar coisas para melhorar o fluxo das ideias na minha mente do que para atrair leitores. E com essa motivação abro esse post.          Raul Seixas foi um grande filósofo. Leu todas as grandes obras filosóficas que lhe eram disponíveis em seu tempo. As letras de Raul são atemporais, de tal sorte que mesmo com um plano de fundo limitado por questões

Novo Aeon

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       Hoje senti vontade de resenhar sobre essa magistral obra filosófica do maior de todos os filósofos na percepção desse que vos escreve: Raul Seixas!        Confesso que sempre que alguém fala de forma irônica sobre Raul, o chamando de "doidão" e rindo, isso me dói no fundo da alma. Raul é um gênio do pensamento filosófico, mas não só isso, é também roqueiro, poeta, músico, anarquista, ateu, libertário, questionador, pensador e  muito mais. E aqui digo "é" no presente, pois a atemporalidade da obra de Raul Seixas mantém suas ideias vivas. Os discos que ele lançou nos anos 70 estão mais atuais do que nunca. Raul veio ao mundo, viveu intensamente e foi embora. Mas deixou uma obra que nunca morrerá. A obra de Raulzito tem esse poder. Toca do caminhoneiro do Brasil profundo à dona de casa nos pegue-pagues do mundo, ao Professor universitário, cientista e roqueiro que vos escreve. Comecei a ouvir Raul aos 15 anos de idade e desde então Raul me acompanha. Raul é um

O bem que a ciência faz (na visão de um cientista)

         Quando digo às pessoas que sou cientista já espero logo a pergunta: "Você trabalha com o que?". Gentilmente digo que trabalho com fluidos magnéticos. Em seguida segue a tréplica habitual: "E isso serve para que?"!        Eu entendo que nossa sociedade nos treina desde muito jovens a valorizarmos apenas aquilo que é financeiramente rentável ou rapidamente aplicável. Mas não consigo deixar de sentir um enorme incômodo no fundo do peito com essa simples pergunta: "Serve para que?". E porque essa pergunta me incomoda tanto? Bom, é o que explicarei a seguir...         Sou um cientista, então vou tentar explicar como um. Vamos fazer um experimento mental, ok? Imagine um não-cientista que nesse texto terá o nome de " Controle ". Pois bem, Controle está de férias, numa praia paradisíaca, numa linda noite de verão, clima agradável, céu "limpo", em um local com pouca iluminação artificial. Nesse contexto a visão que Controle tem d

Precisamos falar sobre o Dark Side

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The Dark Side of the Moon” é mais do que um disco de rock. É uma viagem mental na forma de sons. É um disco que consegue reunir lindas canções, letras filosóficas, transições conceituais entre as faixas, uma mixagem digna de ser chamada de obra de arte, timbres deliciosos e uma fluidez assustadoramente bela que leva o ouvinte de um estado mental a outro sem que este perceba as mudanças extremamente sutis de atmosfera que pouco a pouco o conduzem através de uma jornada interna e o obrigam a olhar dentro de si mesmo (ou se perder). O disco começa com batidas de coração que gradativamente somam-se ao som de caixas registradoras com intensidade crescente até que no ápice dessa explosão de sons, lindos gritos femininos anunciam a entrada da batida mais agradável a este ouvido humano que vos escreve: e temos “Breathe (in the air)”. Uma canção existencialista que nos afirma em alto e bom tom que tudo que tocamos e vemos é tudo que nossa vida é e será. Esse conceito permeia o disco int