Procura

Não sei exatamente o que procuro. Mas sinto que minha vida toda consiste na busca por um sentimento. Não entendo as características ou mesmo as propriedades desse sentimento que procuro. Mas acho que isso não importa muito. Não é questão de entender racionalmente, analiticamente, conceitualmente. Ou mesmo de dar uma forma ao sentimento que busco na esperança de que essa compreensão me aproxime dele. Toda forma limita, contém, restringe. O que busco não tem borda. Não pertence ao tempo, mas precisa da materialidade para se manifestar. 

Não sei o que procuro, mas sei o que não me interessa. Me entedio facilmente. Ainda bem! Se não fosse o tédio não haveria a busca. E sem busca não haveria movimento. No campo da vida não existe nome mais adequado a essa ausência de movimento do que "morte". O tédio é em certo sentido o combustível da vida. Ele precede o movimento. Produzir um desconforto para induzir um movimento. Essa linha de programação parece estar presente no código fonte da vida. 

A vida é esse movimento contínuo, induzido por desconfortos constantes e distribuídos entre todos os seres viventes. O movimento que se utiliza do tempo como recurso para esse eterno suceder de afetos, percepções e manifestações. Já disse que não sei o que busco, mas pelo menos sei o que não busco. Não busco prestígio, reputação, reconhecimento, satisfação com as coisas materiais. Isso não me interessa. Essas coisas são distrações para a mente e isso não prende mais a minha atenção. 

Esse lidar constante com a ausência de sentido existencial me fez perceber há algum tempo que eu não sou a minha mente. Minha mente é só uma ferramenta que possuo. Em certo sentido minha mente não se difere tanto do meu intestino. Ela é apenas um órgão presente no meu corpo e cumpre uma função fisiológica. A função de produzir pensamentos a partir das percepções geradas em decorrência das informações captadas pelos órgãos de sentido. Estruturar essas percepções, nomear as coisas para poder classificá-las, separar as coisas em caixinhas para simplificar as análises necessárias que irão auxiliar os sentimentos em suas tentativas de se manifestarem pelas ações do corpo. Essas são as tarefas da mente. É para isso que ela serve. A mente é em última instância um órgão a serviço do sentimento. 

É verdade que a mente é um importante órgão nessa fisiologia da alma. Mas ela não passa disso. Por isso não me preocupo em saber racionalmente o que eu busco. Isso não importa. Se importasse seria o sinal de uma doença do espírito provocada por um excesso de identificação com a própria ferramenta. Como uma espécie de martelo que enlouqueceu e quis tomar o lugar do marceneiro. 

Eu não sou a minha mente e para mim não importa entender o que busco. Já sei, mesmo sem experienciar, que quando encontrar saberei exatamente o que é esse tal sentimento que andei a vida toda buscando. Às vezes intuo que ele já está aqui dentro, mas que por algum motivo não consigo acessá-lo. Talvez por conta das diversas camadas de mente que se interpõe no meio do caminho. Vai saber? Acho que quando encontrar o que busco não precisarei construir uma narrativa ou mesmo colocar em palavras os traços desse sentimento. Isso é coisa da mente. E por mais que eu não saiba o que procuro sei que não estou buscando agradar a ferramenta. O que busco só pode ser encontrado no campo da não-mente. Quando encontrar esse tesouro da alma espero ver de longe, com o maior distanciamento possível a minha mente, parada, quieta, morta, sem mais necessidade de explicar as coisas, satisfeita por ter cumprido sua função fisiológica nesse auxílio às manifestações do corpo que o levaram ao estado atemporal de satisfação afetiva no campo da não-mente.

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