Des(amor)

Sinto que toda busca humana é em última instância uma busca pelo amor. Esse sentimento abstrato que permeia nossas referências culturais, estéticas e morais. Muito se fala sobre o amor, mas no que consiste esse sentimento? Intuo, desde que me percebi como um ser intuitivo, que o amor é primeiramente o significado da própria vida. Uma vida sem amor é uma vida sem significado. Minha intuição me aponta no sentido de que uma vida sem amor é absolutamente insustentável. A vida fragmentada em si é um processo dinamico intrinsicamente insustentável, tanto que uma hora acaba. Sinto que no final das contas todos nós morremos por desamor. O câncer, o infarto, a senilidade, a depressão, a demência, a esclerose, todas essas mazelas que findam os corpos sensíveis me parecem ser apenas o produto final do desamor que tomou conta do ser e que esgotou o elã vital que antes justificava aquela vida. Esse esforço para perseverar no ser, que Espinosa chamava de conatus, chega ao fim pelo caminho do desamor. Me parece que a vida permanece enquanto acreditamos e seguimos no caminho do amor. Ainda assim continuo com dificuldades de definir de fato o que seria esse tal "amor". Tenho apenas uma teoria a respeito. Acredito que a unidade, a substância incriada, na qual essência e existência não se separam, é a luz eterna cujo brilho encontra-se dissolvido e fragmentado na materialidade. Cada um de nós possui em si um pouquinho dessa luz original. Mas não conseguimos acessá-la o tempo todo por conta da ferramenta que possuímos para empreender ações e viabilizar a manutenção dos nossos corpos enquanto somos matéria. Essa ferramenta é a mente, que pelo processo de construção de imagens, necessário para que ela construa referências para suas deliberações, acaba criando ilusões que nos afastam da própria realidade. Essa luz original é para mim o próprio amor. E talvez todo o desamor que sentimos nessa vida e que por ventura acaba nos matando, seja uma pista de que o lugar principal  do amor não é aqui na materialidade. O amor deveria ser um sentimento acolhedor, sereno, pacífico, de aceitação e ausência de conflito. E o que temos nas relações humanas? Um monte de maus sentimentos disfarçados de "amor". Ciúmes, culpa, apego, manipulação, jogos mentais, mentiras, hipocrisia. Tantos sentimentos ruins que se disfarçam sob o nome de amor. Isso me faz conjecturar de que o lugar do amor talvez não seja aqui nesse mundo, mas quem sabe fora dele. Veja bem, não estou dizendo que não existe amor no mundo. É claro que existe. Mas talvez o mundo material não seja a morada original do amor. Talvez o amor se misture com tantas outras coisas na materialidade que fica difícil encontrar amor no mundo. No campo das relações humanas parece que o amor se esconde ainda mais por conta das inúmeras camadas de medo que se interpõe entre o ser e o mundo. Mas quando pego meu piano e encontro a melodia que leva calor no meu coração, sinto um vislumbre do que é me sentir amado. Não por uma outra pessoa, tão confusa e fragmentada como eu. Nem sei se os seres humanos são realmente capazes de amar plenamente, sem medo, sem segundas intenções. Somos seres de linguagem e quando inventamos a palavra inventamos a mentira. E como gostamos de falar... Mas quando faço música e saio do campo da palavra encontro um vislumbre de que o amor existe sim, nem que seja só um pouquinho e por um breve instante, aqui, na materialidade. 

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