Percepção

Às vezes sinto que estou buscando, através da mente, um lugar no meu corpo que já não existe mais. Quando percebo o absurdo dessa busca sou invadido por um misto de sensações. O alívio pela percepção da inutilidade em se buscar o absurdo, a desesperança resignada pela constatação de que esse corpo jamais será como um dia foi, o medo do meu próprio processo de decomposição material e a esperança na confiança de que a subordinação dessa matéria que me compõe às leis da natureza segue princípios muito maiores que os meus próprios afetos. A sabedoria me direciona rumo ao movimento de me despir de mim mesmo. Jogar os excessos de peso para fora do barco para poder navegar como um barco vazio pelo mar da vida. Aceitar completamente as leis da natureza que me compõe, reconhecer minhas limitações e tentar acessar o caminho do coração para além do corpo e da mente. Mas a compreensão intelectual dessa dinâmica parece não ter muita força diante desse processo de dissolução do ego. Esse conceito ilusório que tenho de mim mesmo por vezes costuma ter mais força que a própria realidade. Minha mente já percebeu que "eu" não existo e isso em si é um alívio. Esse conceito abstrato o qual chamo de "eu" não passa de uma coleção de imagens soltas dentro da minha cabeça com base num passado que não existe mais. Todas as referências que utilizo para validar a minha existência são ilusórias. Memórias distorcidas pelo tempo, lembranças de pequenos pedaços de mundos que não existem mais, condicionamentos do passado, a habituação ao processo de defesa do conceito que formei de mim mesmo. Mas parece que todas essas desilusões ainda habitam esse corpo aqui e agora. O coração partido que palpita descompassado toda vez que abro os olhos no presente da aurora de cada novo dia, a dor nas costas pelos pesos que carreguei em outros tempos e que no presente fazem eu me sentir cada vez mais pesado, a tensão muscular pelos medos cultivados ao longo do percurso. De repente percebo que existe algo para além da mente e do corpo. Essa porção de matéria com consciência é também sentimento. E se o corpo já não é mais o mesmo, percebo num relance que ainda posso aprender com a vida como usar a mente a serviço do meu coração. Sou então inundado pela percepção de que a busca da mente não deve ser mais um lugar num corpo que não existe mais, e sim novos caminhos de percepção da realidade para que esse barco já vazio possa navegar pelo oceano da existência material sem apego às imagens criadas em mim e que me aprisionam nesse movimento tão distante da realidade. É isso! Uma nova forma de perceber as coisas. Talvez esse seja o grande lance desse movimento maior que todos nós e do qual fazemos parte, chamado "vida". 

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