Esforço

Não há nada a ser preservado. É tudo fluxo, assim nos ensina a vida. Existir é não ser e como diria Pessoa: "pensar é não saber existir". O esforço em preservar o que nunca foi é sintoma desse não saber existir. Todos nós existimos. Mas só sabemos de fato existir nos momentos em que não fazemos esforço para preservar aquilo que não se preserva. Talvez isso seja saber existir: não fazer esforço para preservar aquilo que não se preserva. Uma gota de chuva é uma gota de chuva entre o momento que se desprende da nuvem e o momento que toca o chão. Depois já não é mais gota de chuva. Se transforma em outra coisa: poça de lama, água no asfalto, parte de um rio, oceano. A subordinação inequívoca às leis da natureza confere à gota de chuva seu próprio e inquestionável caráter existencial. Para uma gota de chuva não existe o paradoxo do não saber existir. Nós, humanos, costumamos ser diferentes. Existimos e só conhecemos a condição do existir. Primeiro existimos, depois somos. O existir é anterior e posterior ao ser. Esse existir metafísico é atemporal. A partir do momento em que definimos um conceito próprio sobre quem somos deixamos de apenas existir e passamos a compartilhar o espaço do existir com o espaço do ser. E seguindo os instintos que a natureza colocou em nós, passamos então a fazer esse esforço para perseverar no ser. A esse esforço damos o nome de "viver". Espinosa nomeou esse esforço como "conatus", Nietzsche o chamou de vontade de potência, Freud de libido. O nome não importa. O esforço para perseverar no ser, que se manifesta em tudo que vive, é um sintoma desse não saber existir. Talvez a vida em si seja um recurso que a consciência encontrou para através da matéria aprender a existir. E talvez seja nesse processo de aprendizado que resida sua verdadeira expansão. Tudo que é deixa de ser. O que existe no mundo material existe durante um intervalo de tempo, depois vira outra coisa. A gota de chuva vira água no asfalto, nós viramos ossos, cinzas, adubo, terra, semente, árvore, comida, alma, vai saber... Deixamos de ser, mas continuamos a existir. O problema humano não é deixar de existir. Isso não é possível. O princípio da conservação da massa é inviolável em nosso universo manifesto. O problema humano é o deixar de ser. É o apego a uma ideia que temos de nós mesmos que faz com que não saibamos como existir. Talvez a vida sirva para nos ensinar justamente isso. Primeiro aprendemos que precisamos aprender a ser. Depois precisamos aprender a deixar de ser. Só então teremos a possibilidade de aprender a existir. É preciso se criar e em seguida matar essa mesma criação de nós mesmos. É no não ser onde se encontra a verdadeira existência das coisas.  

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