Vagando

8h da manhã, acordo assustado, o coração disparado, a mente agitada. Sinto frio, muito frio. Um frio  que não se intimida com um chazinho ou um banho quente. Um frio na alma, atrelado ao escuro do vazio gélido que espreita todo ser vivo consciente de sua finitude e inconsciente da causa primária que o gerou. Tento fazer umas respirações profundas a fim de conectar a mente ao corpo. A mente, essa espécie de doença autoimune do espírito. Olho para o teto do quarto que contém meu corpo inerte na cama. Pego o celular, meu portal de conexão com o mundo imaginado. Esse mundo que com o passar dos anos foi tomando o lugar do mundo que eu julgava ser real. Hoje já não sei quais são os elementos que separam o imaginário do real. Chego a desconfiar que esse tal real não passa de mais uma das criações do monstro "mente". Dessas que servem para nos dar qualquer tipo de referência artificial para que delineemos um caminho qualquer, só para ter um caminho a seguir. O real como um bote salva vidas ontológico, conceitual, hipotético, incrustado na medula da alma, imaginado, para nos agarrarmos com todas as nossas forças quando a exaustão desse vaguear sem rumo decidir, por força do destino, nos golpear com a força de um tsunami existencial. Acho que o costume de viver nos mundos imaginários da mente me dessensibilizou para a percepção desse distante "real". Nada de novo na velha tela do último smartphone. O antigo foi trocado porque a obsolência programada do capitalismo tecnocrático assim o exigiu. Esse smartphone, que tomou o lugar dos livros que antes preenchiam esse criado sempre mudo, não me trás nada de novo. Só um velho sentimento de desconexão com o mundo. Durante minha vigília noturna inconsciente nesse espaço apertado que chamo de "quarto" o mundo continuou girando, indiferente às minhas sensações. Ao mesmo tempo essas sensações constituem o máximo daquilo que eu posso pretender chamar de vida, Universo, existência, real...Essas minhas sensações constituem a totalidade do mundo para mim. Penso que as sensações que experimentamos são os tijolos que compõe esse mundo a ser percebido. Talvez meu coração disparado pelo simples ato de acordar seja um lembrete do Universo para me recordar da sensação de ser real. Um lembrete cósmico de que ainda é possível sentir qualquer coisa. Nem que seja essa angústia sufocante no peito que vem sempre que eu acordo. Talvez eu seja real. E essa sensação desconfortável precise ser forte o suficiente para que eu perceba que tenho um corpo. Um corpo que vagueia por um mundo de materialidade inequívoca em função de um mar de afetos que se manifesta num plano em que não posso tocar. Talvez essa desconexão que me leva a esse desconfortável vaguear sem rumo seja um produto da ambivalência de ter um corpo povoado de sentimentos intocáveis. Às vezes desconfio que meu corpo é muito pequeno para os afetos que nele habitam. Mesmo assim, quando formulo essas palavras imaginárias na sequência que a alma precisa, sinto uma leveza nesse "por para fora". Palavras que eu não posso tocar. Mas que geram um alívio que eu sou capaz de sentir. E por isso escrevo. Para através desse contato com o imaterial, com o eterno do mundo das ideias de Platão, produzir um sentir mais leve nesse corpo que ainda é matéria. E nessa dança dual entre corpo e alma vou seguindo a minha estrada. Sentindo, entendendo, percebendo e agindo. Vagando como um viajante cósmico entre o plano material e o astral. Sendo estrela, lua, chama, cinza, fogo e fumaça... Tentando ser para além do existir. Aprendendo a viver enquanto caminho. Escrevendo para me perceber, colocando para fora através das palavras o excesso do sentir que bloqueia minha percepção do real. Agora é noite e o coração já não está mais tão assustado assim. Minha tendência é fazer uma prece. E pedir à consciência cósmica que habita em mim que o sono não jogue fora os ensinamentos que o dia me trouxe. Mas logo percebo o paradoxo dessa simples ideia. Essa esperança por trás da intenção do pedido que delega ao exterior a responsabilidade pelo interior é um dos lados do mesmo medo que dispara meu coração todas as manhãs. Fecho os olhos e tento buscar o vazio em mim. O vazio que elimina toda necessidade de ter que esperar qualquer coisa. São 22h da noite. Acho que é hora de meditar.

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