Abstinência

Já nem sei quanto tempo faz. No começo ainda contava os dias. Talvez como uma forma de contar pontos. Mas pontos para que? Qual a finalidade disso tudo? Um tempo atrás o tempo estava claro. Ao menos os motivos do tempo me pareciam de uma resolução cristalina. Hoje já não sei mais o porquê dessa pausa. Sim, uma pausa, porque nada no plano da vida é eterno. Às vezes uso isso para me consolar. A ideia de ficar para sempre sem você é dura demais para mim. É tudo transitório. Pelo menos é o que a sabedoria fala. Mas isso não alivia o sentir. Hoje me pergunto qual a finalidade dessa sabedoria. Quando eu me sentia sábio não perguntava. Mas agora, tomado por uma confusão sufocante, sou invadido por uma quantidade de perguntas muito maior do que minha capacidade de respostas. São tantas vozes que dificilmente me escuto. Na maior parte do tempo é só um ruído constante. Acordo, tomo café, acendo um incenso, tento agradar os sentidos. Talvez seja só isso o que podemos fazer. Me estico, alongo, faço ginástica, tento fortalecer o corpo, retardar um pouco minha inexorável decomposição rumo à desintegração e ao rearranjo desses átomos que juntos decidiram formar essa consciência sem o meu consentimento prévio. Se eu soubesse como seria a luta talvez  não tivesse aceitado participar. Mas o que eu sei das coisas? Digo isso agora porque está tudo nublado e cinza sem você. Talvez se você ainda estivesse aqui comigo esse texto nem estaria sendo escrito. Não haveria necessidade. Poderíamos sair por aí respirando ar puro, ouvindo música, sentindo as notas, os timbres, a textura de cada som, admirando as cores, os movimentos, as formas, os aromas, os sabores, os pensamentos mais puros, a conexão interior, as grandes revelações, a coragem verdadeira proporcionada de forma sintética pelo acender dos neurotransmissores, o acesso à sabedoria Universal que reside dentro de mim...Mas é essa mesma sabedoria que me lembra que tudo na vida se define com base no oposto. Para cada grande revelação há uma paranoia a espreita, para cada conexão interior há um medo na esquina esperando a hora de atacar, para cada silêncio profundo há uma profusão de vozes ruidosas aguardando o efeito passar para gritarem umas com as outras dentro da minha cabeça, para cada Eu há uma multidão em mim. E quando eu me lembro dessa polarização me recordo da tensão que havia em mim mesmo quando eu estava com você. E gradativamente vou me lembrando dos motivos pelos quais decidi dar um tempo na nossa relação. Me lembro de pensar com tristeza no fato inquestionável de que ainda sou matéria. Me recordo do medo que eu tinha de ficar sem você. Me lembro de ter ouvido uma voz interna me dizendo que eu precisava saber o que era ficar sem você para poder ressignificar a nossa relação. Seja lá o que isso queira dizer... Me lembro que os motivos pelos quais a gente começou a se relacionar mudaram. E como todo relacionamento, precisamos de tempos em tempos reavaliar nossas condutas, sentimentos e percepções, no intuito de transformarmos novamente a dependência em amor. E conforme vou me lembrando disso tudo vou ficando mais calmo. Me lembro da minha necessidade de experienciar o vazio. Estava há muito tempo cheio demais de mim mesmo. Às vezes é preciso esvaziar-se de si próprio para liberar um pouquinho de espaço para que possamos ser preenchidos por algo totalmente novo.  Acho que é isso. Talvez o motivo central pelo qual decidimos dar essa pausa seja esse: acessar o vazio para criar algo totalmente novo. Quem sabe como será a nossa relação no futuro? Hoje não faço a menor ideia. Mas o que o Universo decidir para gente deverá ser o caminho mais sábio. No final é sempre ele que escolhe as coisas por nós. Talvez esse esforço mental em definir as relações seja só o ego desesperado por prazer e segurança. Veja até onde essa mente nos trouxe...Quem sabe acessando o vazio eu possa ser mais consciência e menos mente? Vai saber...Isso ainda me parece uma especulação mental. Acho melhor parar por aqui para evitar os círculos sem saída nos quais a mente costuma me colocar. O que precisava ser dito no momento já o foi. Acho que é chegada a hora de meditar.

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