Ruptura

Já faz um tempo que tenho percebido em mim um novo tipo de cansaço. Um cansaço que não tira férias, que está sempre ali, ora como protagonista, ora como ruído de fundo. Demorei muito tempo para perceber a natureza desse cansaço. Em um raro momento de silêncio, em meio a uma sinapse acelerada que disparou um pensamento ultralúcido, percebi algo num desses insights raros que costumam me visitar todo mês: estou exausto de mim mesmo. Essa pressão sufocante de ter que organizar todas essas imagens incoerentes  que me habitam e que parecem vivas em meu corpo apesar de não poderem ser tocadas me faz sentir o peso dos anos, dos traumas, das pancadas, dos erros de avaliação de um espírito que já não alcanço mais, mas que perturbam o espírito em evolução que tenta pular desse barco chamado passado e que não para de afundar. Dizem que o nosso corpo é nossa âncora com a realidade. Qual o sentido de uma âncora em um barco feito para afundar? Será que as dores da vida, marcadas no corpo, querem induzir uma transmutação alquímica da alma e transformar essa âncora em hélice, resgatar o barco que afunda, transformá-lo em nave? Para que possamos subir aos céus através da ruptura com nosso passado, nossa identidade, nossos apegos e medos, nossos egos? Tudo isso parece tão lógico, tão elevado, tão espiritual. Ao mesmo tempo tão cansativo, tão cheio de palavras, tão mental, tão racional, tão falso. Tenho para mim que a verdade não é uma frase, não cabe em palavras, não pode ser acessada por um conjunto de fonemas. A verdade deve ser um sentimento. O cansaço é o oposto da verdade. O cansaço vem da busca. A verdade deve vir do encontro. Mas como chegar nela? Como escapar desse cansaço? Como sair dessa busca? Quem sabe o caminho? Buda, Krishna, Jesus, Freud, Nietzsche? Quem chegou mais perto de descobrir o antídoto contra o cansaço da vida? Como desligo a ferramenta que o mundo não para de atiçar em mim desde que cheguei aqui? Como parar as perguntas se cada pequena resposta gera mais perguntas? Às vezes torço pra esse cansaço aumentar até que chegue num ponto de ruptura no qual eu esqueça tudo que acho saber de mim mesmo e possa descansar disso tudo. Ser irresponsável, incoerente, louco, desacreditado, enfim, ser livre...

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