Mentira

O cansaço brutal da falta de realidade que sufoca a rotina tem pesado por aqui. O excesso de informações vazias que me bombardeiam as sinapses e os sentidos pela tela do computador tem cobrado seu preço. Na busca por uma conexão qualquer em meio a uma vida vazia de sentido claro vejo que criamos um monstro que agora nos domina na busca de cliques e likes em meio a redes sociais que nos fazem sentir pertencentes a uma estrutura ilusória fora de nós e que visa substituir o afeto, o abraço e a conexão real pelos tons de vermelho das notificações que nos avisam que alguém distante apertou um botão qualquer em reação a uma ilusão de nós projetada pelo nosso inconsciente viciado nesse mundo intocável que habita a nuvem. Me alieno por opção tentando buscar uma salvação desse mar de ilusão que decidiu fazer morada no meu coração. A solidão brutal que me coloca nessa prisão dentro de mim mesmo não se resolve com as notificações que me chegam a todo instante só para me lembrar do abismo do meu isolamento. Há três anos vivo no topo dessa montanha, na companhia de uma águia e de uma serpente. Uma recriação moderna do Zaratustra de Nietzsche, ainda sem conclusão. De vez em quando desço a montanha e tento me juntar aos homens. Mas tudo que encontro são pedaços de pessoas quebradas pela estrutura por nós criada. Eu também sou uma pessoa quebrada. E tento colar os fragmentos que me compõe buscando uma conexão de alma com algum outro ser quebrado. Procuro alguém que consiga entender algo sobre mim que eu ainda não consegui sacar. Busco um espelho da minha alma para que eu consiga perceber algo de mim que minha experiência fragmentada ainda não me permitiu perceber. Por vezes encontro o combustível que me lança sobre as nuvens da desconfiança da minha própria mente. E nesses encontros com os amores líquidos que a vida me presenteia se rompem os sofismas da mente e volto a me sentir um animal sadio. O acréscimo de potência proporcionado pelo encontro com o amor me enche de ideias, esperanças, projetos e sonhos. Produzo coisas, crio músicas, escrevo textos, danço e choro sob o calor dos raios de sol que tocam meu corpo num domingo qualquer no meu quintal. Passo a viver a vida, a experienciar a realidade, a criar histórias que serão contadas num momento de nostalgia no futuro. Mas de repente uma nova ruptura se faz! E em meio às ilusões de paraíso criadas para contrapor as ilusões de uma dor sem fim o último novo amor decide ir embora. E em meio a nova dor vem a necessidade de uma nova reinvenção, a reconstrução de pedaços que não chegaram a se colar e já se partiram novamente. A entropia segue seu fluxo indiferente aos meus desejos egoicos e apegos. A dor vem como um sinal de que é preciso mudar a percepção. A alma já cansada ainda resiste, ela é resiliente e não se entrega facilmente. Ela tem necessidade de música, pois entende que o contraste das sensações é a força que dinamiza o movimento da vida. A pausa, o descanso e o silêncio são elementos importantes nessa dinâmica. Então tento meditar. Mas a tensão, a dor, o desconforto e o sofrimento também se fazem presentes e dificultam minha meditação. Ao mesmo tempo entendo que esses elementos também são importantes para a vida. Negar o sofrimento é negar a vida. Então choro e observo, sem apego. Tento negar o amor, mas negar o amor é também negar a vida e isso já não vejo mais sentido em fazer. E em meio a essas pessoas que não sabem viver sigo buscando o encontro de uma alma irmã que na exposição de sua vulnerabilidade sincera me ajude a colar os meus pedaços enquanto ajudo-a a colar os seus por meio do poder do amor. O amor, coitado, ainda tenta se mostrar e se fazer presente. Mas nosso tempo não está a serviço do amor. Tudo o que se discute são sofismas. A sociedade se tornou uma mente confusa. As interações sociais giram em torno de discussões sobre regimes de governo, sistemas políticos, filosóficos e econômicos. Os profetas do amor perderam sua voz em meio a essa doença mental coletiva chamada modernidade. Mas a história é cíclica e o dia de hoje é apenas um recorte temporário nessa cronologia em constante movimento a qual estamos submetidos pelas leis da inteligência cósmica que rege a nossa materialidade. Nada é eterno, nem mesmo a dor, nem mesmo a vida, nem mesmo o ciclo vicioso de likes no facebook, nem mesmo a doença do animal humano, nem mesmo essa solidão que parece não ter fim. E em meio a esse conflito diário do viver mantenho minha chama acesa ao ouvir Raul que escolhe dizer em Gita: "Dos sonhos eu sou o amor."

FIM

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