Deus

Há tempos tenho para mim que Deus é um artista. Mais do que uma explicação racional para essa intuição, convenço-me dessa crença por meio da própria sensação de fazer parte de um quadro em movimento. Quando crio algo em meu piano sinto que estou apenas captando uma vibração do ar e materializando-a na forma de sons. A mesma sensação me vem quando me pego escrevendo e acessando o fluxo dos meus afetos enquanto os dedos digitam as teclas do teclado. Esse acesso que me vem quando sinto estar fazendo arte me remete ao divino que existe em tudo aquilo que nos é desconhecido. Mas por algum motivo essa ideia de um Deus que é só artista tem me incomodado. Deus deve ser algo maior que um artista. O artista apenas representa algumas das características de Deus quando este se manifesta na forma de um ser humano. Deus deve ser também engenheiro, arquiteto, matemático, filósofo e quem sabe até advogado. Deus é a inteligência por trás do movimento dos átomos que compõem  as pessoas. Deus é a força da gravidade que aglutina a matéria na forma de estruturas. Deus é a consciência fragmentada desses átomos que se organizam na forma de pessoas, animais, plantas, sociedades, culturas, linguagens, países, fronteiras, guerras, divisões, lutas, conceitos, conflitos e paz. Deus é a luz, a sombra e o eterno movimento entre essas duas polaridades. Deus é o movimento que observa tudo isso. Deus é o amor e o medo dele, a promessa e a falta, o discurso e o silêncio. Deus é o campo dos afetos e a materialidade que navega cega nesse campo. Deus é o tempo e a eternidade, o adulto e o menino, a inocência, a malícia, a cegueira e a visão. Deus é movimento de tudo isso que se constrói enquanto caminha. Deus é a ilusão da separação que sofre por se perceber fragmento e usa isso para se reconstruir. Deus é essa consciência fragmentada que se junta para querer se expandir. Deus está dentro de cada átomo dos nossos corpos transitórios e em cada sentimento intocável que navega no campo do eterno. É a afirmação e a negação de si próprio. Deus é também o desejo egoico de buscar a própria felicidade e o conflito dessa busca resultante da moral. Deus é a moral tentando se organizar para se libertar de si mesma. É a sensação de bem estar que vem quando nos percebemos humanos. É a vontade de dançar e de brincar. É o orgasmo, o prazer e a dor. Ao mesmo tempo em que Deus é tudo isso, é também muito mais do que o que as palavras conseguem abarcar. Essas palavras que atribuímos a ele são recortes que a experiência humana usa para tentar acessá-lo por meio do discurso. Deus certamente não é um conjunto de palavras. Palavras são maneirismos humanos. São aproximações grosseiras que limitam a experiência do real. Em última instância Deus é a sensação que temos quando não sentimos mais necessidade de usar palavras para absorver o contato com a realidade. Deus é a própria realidade. Por conveniência estética e afetiva, escolho dar a essa sensação o nome de amor. Deus é no fundo o amor que preenche tudo, conecta tudo, dá liga ao fluxo das coisas, conecta fragmentos, é a luz da qual se origina o espaço, o tempo e nossas sensações, ele está sempre ali, sempre esteve e sempre estará. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A linguagem e a impossibilidade da verdade

Precisamos falar sobre o Dark Side

Novo Aeon