Sobre a paixão

       A paixão tem sua gênese nos estímulos sensoriais resultantes de um primeiro encontro entre dois corpos. A sensação da reciprocidade de afetos entre corpos que possuem apreciação estética mútua provoca uma sensação psíquica de plenitude e bem estar. É o alívio para a alma provocado pela satisfação daquela pulsão instintiva do corpo. Esse primeiro encontro físico provoca uma cura momentânea para a alma, sempre cansada de ter que gastar a maior parte de suas energias nas resoluções que visam atender as infindáveis demandas do corpo. Nosso cérebro então teme pela não repetição dessa experiência. Mais do que isso, por encontrar-se em tal estado de entorpecimento, pensa apenas em estratégias para a repetição da experiência. 

       Mas somos mais sutis do que isso. Não somos apenas instinto e desejo reprimido. E então entramos na segunda fase da paixão: a paixão por uma ideia, por uma representação do potencial aliviador da dor vista naquela pessoa. Se o outro provocou tanto alívio da minha miséria existencial justamente tentando aliviar sua própria miséria, temos muito em comum. O outro provavelmente partilha de alguns dos meus sentimentos, dado que tentou aliviar sua dor se unindo a mim.  Mas por ser "outro" também possuirá afetos que faltam em mim. Provavelmente encontrarei no outro os sentimentos que busco e não encontro em mim. Idealiza-se então uma caricatura afetiva do outro, numa tentativa desesperada de não só repetir as sensações do primeiro encontro, mas todas as possíveis experiências positivas que ainda não vivemos e que talvez possam ser vividas caso o outro tenha em si aquilo que nos falta. Entendo assim a genealogia da paixão.

      Do ponto de vista dos efeitos psicológicos da paixão sobre o homem, temos dois problemas claros nessa história: 1 - o primeiro encontro nunca se repetirá, e aquelas sensações aliviadoras da alma nunca mais serão como as do primeiro encontro (algumas poderão até ser melhores, mas a maioria contará com a diminuição das intensidade pela ausência do elemento "desconhecido", que altera completamente a biologia e a psicologia dos encontros subsequentes); 2 - nossa projeção de ideais jamais será atendida pela realidade, pois essa projeção inicial em si é enviesada pela programação biológica que te faz perseguir na missão de acasalar para disseminar os genes. 

       Nesse sentido a paixão é a mais poderosa droga natural do universo: acomete todos os seres vivos, é condição sine qua non para a manutenção da existência, gera crises de abstinência potencialmente avassaladoras em humanos e jamais nos livraremos dela. A paixão parece ser um efeito colateral nocivo dessa programação irracional que nos conduz à proliferação dos nossos genes, uma doença da alma que inevitavelmente levará a uma conseqüência psíquica desastrosa em algum momento, uma degeneração da vida, uma contaminação do instinto devido à razão humana. 

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