Vida, vontade de potência, salvações metafísicas e criações...

Alguns pensamentos filosóficos que tem vagado pelos recôncavos da minha consciência e precisam se libertar na forma de texto...

Sartre muito bem constatou o fato de que a nossa espécie nasce completamente vazia. Primeiro existimos, depois passamos a construir nossa essência. Essa é a ideia central do existencialismo, uma das mais importantes vertentes da filosofia contemporânea. Nascemos como uma folha em branco. Perdidos, confusos, assustados, cheios de incômodos e vontades que não entendemos, mas com um enorme potencial de absorção de conceitos e uma capacidade diferenciada (pelo menos no reino animal) de estabelecer relações de causa-consequência entre os fenômenos que captamos do mundo físico através dos nossos sentidos. Mesmo que esses sentidos, como Platão muito bem observou, sejam bastante imprecisos, limitados e fortemente sujeitos aos mais diversos tipos de engano. Talvez o dualismo Platônico tenha sido uma consequência psicológica da filosofia Grega de buscar uma salvação metafísica no mundo das ideias eternas e seguras, longe da temporalidade e das incertezas associadas à impermanência da matéria.

Nossa racionalidade possui certas propriedades, isso é um fato. Kant investigou brilhantemente as propriedades da razão em sua "Crítica da razão pura". Mas a compreensão do funcionamento da estrutura de pensamento do homem não promoveu o alívio de nossos desconfortos existenciais. Não resolveu os grandes problemas do homem: a depressão existencial associada à ausência de sentido de nossas vidas quando pensadas por uma perspectiva estritamente racional e humana, a constatação de que somos apenas fragmentos, nossa aparente insignificância cósmica e principalmente nosso medo da morte. Nesse sentido o homem sempre foi direcionado rumo à metafísica em suas indagações e investigações sobre seus próprios problemas psicológicos. Grande parte da filosofia de ponta possui forte viés psicológico por parte de seus autores que utilizam palavras sofisticadas para tentar demonstrar pontos de vista pré-definidos pelos mesmos com base em simples conveniência afetiva.

Sempre olhamos para os céus em busca de uma salvação metafísica. Porque estamos sempre atrás de repostas? Postulo que seja porque o incômodo psicológico diante do desconhecido seja uma característica intrínseca à razão. Isso Kant talvez tenha relutado em admitir. Mas preciso concordar com Nietzsche que quando olhamos para os céus nos afastamos da tangibilidade certeira da terra. Essa obsessão em olhar para cima é no fundo uma tentativa desesperada de fugir da nossa própria natureza. E o mundo moderno, fortemente influenciado pela moral Cristã da salvação no paraíso eterno, nos incentiva desde muito cedo a olhar para os céus e fugir da vida como ela é. 

No maravilhoso "Além do bem e do mal", Nietzsche define a vida de forma belíssima. Não lembro as palavras exatas, mas vou me permitir parafrasear a ideia do meu filósofo preferido: a vida é o movimento do ser rumo à expansão de sua vontade de potência. Todo ser vivo age sempre no sentido de minimizar desconfortos, ou se preferir, realizar vontades que só cessam quando finda a própria vida. Essa força de expansão do ser que motiva à ação é vontade de potência.

Será que ao olhar para os céus não estaríamos deixando de nos maravilhar com a possibilidade de olhar para o lado? A aceitação de uma moral externa e alheia às nossas vontades, baseada numa promessa de salvação metafísica, não estaria nos afastando de potenciais paraísos aqui na terra, onde já estamos? Será que não seria mais sábio olhar para dentro? Meditar ao invés de rezar? Criar ao invés de seguir? Viver o presente ao invés de esperar pelo futuro? A vida começa quando você nasce. O cronômetro passa a girar no segundo "zero".

Para finalizar esses meus devaneios deixo aqui um lindo trecho de Nietzsche, extraído de seu belíssimo "Assim falou Zaratrustra":

"Querer liberta: eis a verdadeira doutrina da vontade e da liberdade – assim Zaratustra ensina a vós […] Para longe de Deus e dos deuses me atraiu essa vontade; que haveria para criar, se houvesse – deuses! Mas para o ser humano sempre me impele minha fervorosa vontade de criar.”  
Nietzsche, Assim falou Zaratustra

E é por isso que minha alma sente paz e encontra seu sentido quando faço música. No fundo toda angústia precisa de uma criação para se acalmar. A angústia nada mais é do que vontade de potência reprimida.
FIM

Comentários

  1. Muito bom, Rafa! Essa última frase é sensacional! Angústia é uma vontade de potência reprimida! Eu tenho persistido na prática do deixar fluir, soltar, tudo, inclusive e principalmente tensões! O que a gente reprime enquanto sentimento, vontade ou pensamento vira bloqueio TB no corpo. Por isso que eu acho yoga tão incrível! É uma ferramenta poderosa de soltar tensoes em todos os níveis que te devolve aos poucos a integridade do ser.

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